20/07/2020

Coronavírus e audiência de Custódia: inadmissibilidade da videoconferência.

Marcela Vignoli Cordeiro Bessa

Inserida no artigo 310 do Código de Processo Penal pela Lei 13.964/2019, a Audiência de Custódia foi introduzida ao ordenamento interno por tratados internacionais, como o Pacto de San José da Costa Rica, e regulada pela Resolução 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça.

O instrumento visa, mediante a apresentação do preso à autoridade judicial, fazer cessar eventuais ilegalidades presentes na ocasião da prisão, bem como identificar possível cabimento de liberdade provisória. Assim, sua implementação, no país que apresenta números recordes de violência policial[1], foi recebida pelos penalistas brasileiros como uma grande ferramenta de promoção dos Direitos Humanos.

Destarte, a audiência de custódia busca assegurar a observância de direitos fundamentais dentre os elencados no artigo 5º, LXII, LXIV, LXV, LXVI e LXVII, da Constituição Federal. Segundo o CNJ, de fevereiro de 2015 a dezembro de 2019, foram realizadas cerca de 652 mil audiências de custódia em todo o país[2], o que contribuiu para o desenvolvimento um processo penal mais garantista.

Entretanto, após quase cinco anos da implementação do instituto, os tribunais passaram a debater a possibilidade de sua realização através de videoconferência, com base no artigo 185 do Código de Processo Penal.

Na primeira oportunidade em que se manifestou sobre o tema, o Conselho Nacional de Justiça, no julgamento dos autos de n. 0008866-60.2019.2.00.0000[3], deferiu liminar para suspender a eficácia de Resolução do TJSC que regulamentava a realização de audiências de custódia em tal modalidade. Na ocasião, o mencionado Conselho reiterou que a condução imediata da pessoa presa à autoridade judicial é o meio mais eficaz para prevenir e reprimir a prática de tortura no momento da prisão e que, no dado contexto, há de vigorar o princípio da legalidade estrita, de modo que eventual alteração da normativa de regência deve advir de lei aprovada pelo Congresso Nacional.

No mesmo sentido, a Ministra Laurita Vaz, do c. STJ, no julgamento do Conflito de Competência 168.522/PR[4], decidiu pela inadmissibilidade de realização da audiência de custódia por meio virtual, por ausência de previsão legal.

Mesmo diante das referidas decisões, em face da pandemia do Coronavírus e consideradas todas as suas implicações no contexto atual, o tema voltou à tona: tribunais ao redor do país instituíram[5] a audiência de custódia por meio de videoconferência, visando adequar a realidade do isolamento social com o referido instituto.

A opção por tal modalidade representou a violação não somente ao disposto nos tratados internacionais aos quais o Brasil aderiu, como também das garantias do preso, elencadas constitucional e infraconstitucionalmente. Isso pois, não se pode afirmar que a realização de tal ato processual por videoconferência seja capaz de trazer a mesma eficácia que o contato direto do Juiz com o custodiado, para os fins de identificação de possíveis maus tratos e de violência psicológica e/ou física porventura praticadas.

Diante do exposto, a necessidade da edição de ato normativo que vedasse a realização da audiência de custódia por meio telemático se mostrou premente, o que se consolidou via aprovação de Resolução, pelo CNJ, por ocasião de sua 35ª Sessão Virtual Extraordinária[6]. A vedação, pelo Conselho, de tal prática, se mostrou acertada e pertinente, representando a busca  da conciliação de medidas preventivas contra o Coronavírus com a conservação de direitos fundamentais dos custodiados. Afinal, tortura não se vê pela TV.

 

[1] Anistia Internacional. O Estado dos Direitos Humanos no Mundo 2017/2018.

[2] Disponível em: Acesso em 23/06/2020.

[3] CNJ. RECLAMAÇÃO PARA GARANTIA DAS DECISÕES n. 0008866-60.2019.2.00.0000. Disponível em:

[4] STJ. CC 168522/PR. Relatora: Ministra Laurita Vaz. DJe 17/12/2019. Disponível em: < https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp>. Acesso em 23/06/2020.

[5] TJ/MT: Videoconferência garante direitos de quem precisa passar pela custódia. Disponível em: < http://www.sedep.com.br/noticias/tj-mt-videoconferencia-garante-direitos-de-quem-precisa-passar-pela-custodia/>. Consulta em 23/06/2020.

Coronavírus faz TJ do Rio adotar videoconferência para todas as audiências de custódia. Disponível em: . Consulta em 23/06/2020.

Comarca de Cajazeiras implanta audiência de custódia por videoconferência. Disponível em: . Consulta em 23/06/2020.

TJAM suspende julgamentos e audiência de custódia será por videoconferência. Disponível em: < https://amazonasatual.com.br/tjam-suspende-julgamentos-e-audiencia-de-custodia-sera-por-videoconferencia/>. Acesso em 23/06/2020.

[6] CNJ regula videoconferência na área penal com veto em audiência de custódia. Disponível em: . Acesso em 15/07/2020.

Marcela Vignoli Cordeiro Bessa:  Bacharel em Direito com formação complementar em Ciências do Estado pela Universidade Federal de Minas Gerais.Advogada Inscrita na OAB/MG. Pós-Graduanda em Direito Público. 

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