21/05/2020

A (IN)APLICAÇÃO DA OMISSÃO PENAL IMPRÓPRIA COMO TÉCNICA DE RESPONSABILIDADE PENAL

Júlia Camargo 

Em tempos de globalização intensa, competitividade e um mundo cada vez mais transformador, é certo existem novos perigos que surgem a cada momento. A evolução em ritmo acelerado, como vem ocorrendo, tem como resultado inerente a produção riscos[1]. Nesse contexto, o desafio que se tem é entender quais são eles e de que forma será possível tutelar os bens jurídicos expostos a essas novas ameaças.

É com esse pano de fundo e por influência do expansionismo penal, que a sociedade, amparada pelo medo e pela insegurança, permite o uso de medidas emergenciais que violam garantias muito caras ao Direito Penal[2].

Entre elas, uma verdadeira afronta ao cenário jurídico é o uso desenfreado da omissão imprópria como forma de responsabilização penal, em especial nos crimes econômicos ou que envolvem condutas praticadas por empresas, nos quais o clamor popular por uma condenação é evidente.

Nesse contexto, se mostra importante a discussão no meio jurídico sobre os limites e parâmetros desse novo formato de atribuir responsabilidade penal.

Inicialmente, importante destacar que nesses crimes, a figura do garantidor assume uma posição de destaque, em especial em razão do seu vínculo entre o omitente e o bem jurídico protegido tutelado[3].

Nestes casos, com o objetivo de amparar a população que aguarda pela indicação de um responsável, rapidamente se indica que os garantidores para evitar aquele injusto seriam o Diretor, o Compliance Officer, o Gerente… todos membros da alta administração, dada sua posição de importância e poder, criando suposições de que estes teriam não só teriam meios de evitar o resultado, como também ciência da previsibilidade deste.

Entretanto, é certo que essa presunção de responsabilidade da alta administração é questionável, uma vez que viola diversos princípios norteadores da ciências criminais.

Isso porque, não há previsão de aplicação da responsabilidade tratada no art. 13, §2º, do Código Penal na indicação dos crimes, tal qual ocorre nos casos de omissão em que tal modalidade fica expressamente prevista, por exemplo. Dessa forma, tratar a possibilidade de aceitação dos crimes omissivos impróprios em todo e qualquer resultado negativo decorrente de um não agir se mostra uma verdadeira afronta ao princípio da legalidade[4].

Também neste aspecto, essa questão viola o princípio da taxatividade, ante o fato de se imputar o crime ao agente, sem delito previamente definido[5].

E não é só! Por essa mesma razão, percebe-se que ao permitir a responsabilização dos agentes por crimes omissivos impróprios, se permite a analogia in malan parten, que contradiz as diretrizes do princípio da intervenção mínima[6].

Nesse sentido, o que se está aqui a questionar é o uso desenfreado desse instituto penal, que afronta garantias individuais, como forma de de evitar a sensação de impunidade social diante de um resultado fático que, muitas vezes, não pode sequer ser considerado crime.

Nesse diapasão, deve-se sempre zelar pelas garantias do Direito Penal, impedindo que um importante instituto jurídico tenha sua aplicação sem limites e regras, com o claro interesse de suprir um anseio popular por responsabilizações criminais cada vez maiores.

[1] BECK,Ulrich. Sociedade de Risco: Rumo a uma Outra Modernidade. Editora 34.

[2] BONACCORSI, Daniela Villani. A Atipicidade do Crime de Lavagem de Dinheiro: Análise crítica da Lei 9.613/12 a partir do emergencialismo penal. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2013.

[3] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. vol.1. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2003

[4] Tavares, Juarez. As Controvérsias em Torno dos Crimes Omissivos. Instituto Latino-Americano de Cooperação Penal. Rio de Janeiro. 1996

[5] Silva Sánchez, Aproximatión al derecho penal contemporáneo, p.256, Barcelona, Bosch, 1992.

[6] QUEIROZ. Paulo de Souza. Direito Penal, parte geral, S. Paulo, Saraiva, 3ª edição, 2006

Advogada Consultiva na Take. Pós Graduanda em Compliance, Ética e Governança Corporativa. Bacharel em Direito pela PUCMINAS. Diretora do ICP Jovem e Integrante do Grupo de Estudos DTI - Direito, Tecnologia e Inovação.

 

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