Durval Audifax Barroso Barcelos
O princípio da intervenção mínima preconiza que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a prevenção de ataques contra bens jurídicos importantes. Ademais, “se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável”[1].
Neste ínterim, de antemão, devemos nos questionar: Será que a ‘pirataria’ deve ser combatida na via do direito penal? Será que os alvos majoritários deste crime, geralmente pessoas humildes que vendem nas ruas CDs e DVDs piratas, merecem a rígida e implacável punição estatal? Com os avanços tecnológicos e advento de novas plataformas digitais ainda faz sentido criminalizar a conduta?
Obviamente, não se pretende responder tais questões aqui, mas tão somente incutir, de maneira breve e incipiente, a dúvida e a reflexão sobre o tema.
O crime de violação de direito autoral está disposto no art. 184, §1º e 2º do CP. Sua figura mais comum está contida neste último parágrafo que condena aquele que vende obra com violação de direito do autor, dentre outras condutas, à pena de 2 (dois) a 4 (quatro) anos de reclusão, além da pena de multa.
O tipo penal supostamente visa proteger os direitos autorais de artistas, gravadoras, produtoras de cinema, editoras, dentre outros. A lógica que instituiu tal crime no Brasil é a de que a pirataria acarretaria prejuízo de bilhões de reais por ano à indústria fonográfica e audiovisual. Tal prejuízo, contudo, é calculado por meio da expectativa hipotética e não realística de lucro caso quem consumisse produtos pirateados, deixasse de fazê-lo para passar a consumir os produtos licenciados.
Entretanto, juristas como o Prof. Túlio Vianna há muito debatem acerca de outros aspectos que permeiam o crime como, por exemplo, a democratização do acesso à cultura. Ademais, o Professor também aborda a necessidade de que a tutela dos direitos patrimoniais do ofendido se dê no próprio âmbito cível, jamais na esfera penal, na medida em que a Constituição Federal, em seu art. 5º, LXVII, veda a criminalização do descumprimento de obrigação civil[2].
Somado a isso, necessário lembrar que após o advento de novas plataformas de filmes e músicas com preços mais acessíveis (a exemplo do Spotify e Netflix) as estatísticas apontam recorrentes quedas anuais dos índices de pirataria no Brasil e no mundo[3].
A meu ver, se pretendemos, de fato, adotarmos um Direito Penal Mínimo, como aparenta pretender a Constituição Federal, este deve ser acionado tão somente para aquelas condutas que revelem maior reprovabilidade social, atingindo de maneira significativa bens jurídicos importantes. A questão é: será que a violação de direito autoral está contida neste pequeno número de condutas a serem punidas pelo Direito Penal?
[1] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1 - versão eletrônica - 24. ed. - São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 72.
[2] VIANNA, Túlio Lima. A ideologia da propriedade intelectual: a inconstitucionalidade da tutela penal dos direitos patrimoniais do autor. Diritto & Diritto, 2011.
[3] http://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2016/12/cai-numero-de-pessoas-que-consomem-pirataria-no-brasil.html; https://www.tecmundo.com.br/cultura-geek/139410-pirataria-diminui-oferta-servicos-melhores-acessiveis.htm; https://olhardigital.com.br/noticia/pirataria-de-musicas-cai-28-em-2019/90772; https://www.nsctotal.com.br/noticias/consumo-de-pirataria-cai-pelo-segundo-ano-seguido-em-sc;
Durval Audifax Barroso Barcelos é graduando em Direito pela UFMG, cursando o 10° período. Foi monitor de Direito Penal II sob orientação do Prof. Frederico Horta e é, atualmente, Editor Executivo da Revista do Instituto de Ciências Penais (RICP).